Manifesto pelo Sonho (IV/V)

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VII. Estudantes que não gostam da Escola

A escola era, antigamente, risonha e franca – diz o velho poema. Não sabemos se o seria mesmo. A de agora é carrancuda e hipócrita. Os estudantes e mesmo alguns colegas não se cumprimentam nos corredores. O que se lê na Internet sobre alguns docentes não é edificante. Muitos estudantes não gostam mesmo da escola, fazem sacrifício em lá estar, não creem que o que aprendem seja importante, desprezam muitos professores, e quando têm que encontrar alguém que se salve (é da natureza humana inventar heróis, até para alimentar a nossa sede narrativa) muitas vezes escolhem os piores: mediocridades exóticas, pássaros insinuantes, sorrisos mediáticos, políticos da sua cor, demagogos mãos largas de notas, resumões ambulantes que se identificam com os seus powerpoints… Ou então – pasme-se – as feras de mão de ferro. Dialética do senhor e do escravo?

Dizem-nos que há professoras do ensino secundário que, para serem respeitadas, cuidam durante longas horas não de preparar as aulas (ou de viver bem e inteligentemente para estarem preparadas para elas, o que seria ainda melhor), mas da apresentação exterior (penteados, maquilhagem, roupas e até joias) e da cilindrada e extras dos carros que para as escolas levam. Porque o respeito é apenas exterior, dos sinais exteriores não de sabedoria, mas de status social.

Claro que em tudo há exceções, e por essas é que continuamos a sonhar. Mas mesmo independentemente de leis, de regulamentos, de direções, de ministros, na universidade reduzida à sua expressão mais simples, que é a relação entre quem ensina e quem aprende (ou deveria fazê-lo), há algo de estranho agora.

VIII. Perguntem aos Espíritos Livres

Perguntemos aos que – e tantos são – se aposentaram recentemente. Eles podem já falar livremente. Ninguém lhes tirará (espera-se) a reforma. Eles poderão quiçá ajudar-nos a identificar os problemas e até algumas soluções. Esperemos que ainda queiram falar. Que ainda não tenham perdido totalmente a esperança. E que não temam ofuscar-nos, cegar-nos mesmo, por nos mostrarem a luz.

Daqui lançamos o desafio a que os entrevistemos, um a um. A começar pelos que se notabilizaram como criadores, investigadores, pela sua obra. A começar quiçá, em cada país, pelos estrangeiros, mais distanciados… Depois os nacionais.

Alguns, como é óbvio,  não interessa sequer considerar. Desde logo, os que subiram na carreira pela mera burocracia ou ganharam aura por razões exógenas à Universidade, ou, nela, pela simples popularidade entre os alunos (que é o que os inquéritos pedagógicos medem, e mesmo assim só aos que têm paciência e empenho em responder-lhes). Não interessam as opiniões academicamente corretas dos que deveram o lugar à política, à família, às ligações, ou a outro fator adventício à essência universitária.

Não fiquemos por aqui no inquérito sobre a nossa situação. Consultemos também os estudantes, os que honram tal nome: os que estudam seriamente, e que têm aquela atitude, imprescindível ao aprender, que é a docilitas de que falava São Tomás de Aquino. Combinada com a irreverência, o rasgo e o risco. Ou, se preferirmos as imagens orientais, aqueles que ao entrarem na universidade não são chavenas cheias de chá, que já nada mais podem conter. Esses outros estudantes, que certamente sofrem também muito, poderão ajudar-nos a compreender o que se passa e a encontrar novos caminhos. Porque é preciso compreender o que se passa, e mudar.

Também do lado dos estudantes há mitos e preconceitos, que daqui nos vamos apercebendo. No nosso tempo de Coimbra, havia ainda em alguns uma vaga identificação pseudo-marxista (pobre do Marx que não tem culpa nenhuma das vulgatas) entre, de um lado, o estudantariado oprimido, e, do outro, a professoria opressora. Essa oposição parece agora vertida em linguagem capitalista: o professor seria um mau vendedor de um produto a um cliente que teria sempre razão?

Esquece-se o essencial: a universidade é, por definição, reunião, universalidade, diálogo entre professores e estudantes, não oposição. E nela há muitas coisas em que são iguais, e alguma em que o não são. Descobrir umas e outras é uma arte. Normalmente, em tempos de desnorte, põe-se o estudante igual ao docente no que não se deve, e estabelece-se a desigualdade no que deveria ser território de paridade.

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