Manifesto pelo Sonho (I/V)

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(Texto de Paulo Ferreira da Cunha originalmente publicado no site do SNESup)

Às vezes, secretamente, rio da inutilidade dos ensaios; dos artigos;  das palestras (…)
Sebastião da Gama – O Segredo é Amar, 2.ª ed., Lisboa, Ática, 1969, p. 92.

I. Ensino Superior e Crise Atual

Ainda saberemos parar? É tempo de parar para pensar, e agir consequentemente. Todos dizem que crise é oportunidade, e até citam o chinês. Pois bem: pensemos para agir, aproveitemos essa magnífica oportunidade, porque grande crise está aí. E já há quem fale até de coisas que mais valia nem mencionar sequer, não vá o diabo ouvir. Que o diabo atentamente escuta os nossos mais perversos pensamentos. E faz quase sempre a vontade aos profetas da desgraça.

Alguns dos piores vaticínios já ocorreram: significativos cortes nos ordenados, e agora, sob forma de imposto, corte no subsídio de Natal, aliás parte integrante do vencimento, embora pago uma vez por ano. O que mais se seguirá?

A balança pesa só para um dos lados. Não é que nos queixemos. Tanto gosta o professor do que faz, tão genuinamente ama o ensino que, como na I Carta aos Coríntios, XIII, 7, tudo suporta. Mas ensombra-nos uma nuvem de tristeza ferida por tão pouca reciprocidade e tão escasso apreço (mesmo social e político) a uma classe em geral bem preparada e muito devotada, que, pela sua capacidade, poderia ter ido ganhar dinheiro, poder e prestígio noutras funções e veio afinal para estas, renunciando a tudo, mas não ainda à dignidade. E a quem legitimamente choca o ver-se rebaixada por quem não tem o direito de o fazer, nem qualquer tipo de autoridade para tanto.

A salubridade e o grau de civilização de uma sociedade têm também este indicador capital: o do apreço que o poder e o homem da rua (para não falar nos alunos) têm pelos seus professores. E é um círculo vicioso: se prezardes os vossos professores, mesmo os mais medíocres tenderão a imitar o alto ideal que deles se faz; se os desprezardes, tereis professores ainda menos dignos, porque sem modelos e sem um prestígio a defender.

II. Professores sob Suspeita

Instalou-se e chegou a induzir-se um clima de suspeita contra o professor. Não só o universitário. E falsa ou manipuladamente alegando-se mordomias e impunidades, com ingenuidade (será?) se acredita agora como verdade indiscutível que se dectarão os incompetentes e preguiçosos com novas avaliações ainda. Como se os docentes não fossem desde sempre (desde que nos conhecemos, pelo menos) já avaliados diuturna e rigorosamente (por vezes torturadamente) por tudo e por nada (e até por quem os não poderia realmente avaliar, por falta de competência). E tudo isto como não se soubesse em geral muito bem, em cada caso e Casa, who is who… Mas, quem guarda os guardas?

Agora instituem-se complexíssimas e em geral exigentíssimas (para o comum dos mortais: pois sempre alguns passam nas malhas – pensada lei, pensada malícia) avaliações ditas “do desempenho”. As quais, com o congelamento de tudo (ou quase) quanto é despesa adicional ao mínimo dos mínimos, parece que terão apenas uma função simbólica, pois não se reverterão em qualquer benefício palpável ou sonante, sequer para os happy few por elas premiados.

Para alguns, que não se movam (ou moviam: porque parece que se pensa em retroatividade na aplicação de critérios) bem nas malhas dos múltiplos itens, será agressão simbólica, estigmatização. Mas, com a liberalização geral do despedir que aí vem (e que, embora ainda subtilmente, já nos afeta), como não utilizar essa avaliação, para o vir a justificar? Alguns advogam já o despedimento automático dos menos classificados, ainda que o sejam positivamente. Isso seria sinal de excelência e competitividade.

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