A crise e o ensino superior. Que futuro?

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Resolver o imediato e cuidar o futuro não são contraditórios mas complementares, ao contrário do que alguns ainda julgarão. Mas é preciso saber fazê-lo, não basta “mudar algo para que tudo fique na mesma” ou usar as soluções do costume.

Gerir, a qualquer nível, passa por conseguir identificar os problemas a resolver e definir e executar as estratégias necessárias. Mas um contexto errático e desorganizado dificulta qualquer acção bem orientada.

Um Orçamento do Estado é (ou deveria ser) um instrumento de orientação, de referência para um futuro que, embora circunscrito a um ano, abrange e operacionalizar uma visão a médio ou mesmo longo prazo para um país.

O documento apresentado pelo Governo para o Orçamento do Estado para 2011 prevê várias medidas orçamentais com vista a uma redução da despesa pública, incidindo muitas directamente sobre os trabalhadores do sector público. Mas percebe-se agora que, ao contrário do que foi anunciado pelo primeiro-ministro (e prontamente desmentido pelo Ministro das Finanças), estas medidas são definitivas.

Os cortes anunciados nos vencimentos dos docentes e investigadores do ensino superior são um duro golpe que incomoda e retira condições de trabalho a estes profissionais – desorganiza a vida das pessoas.

Haverá a intenção de “empurrar” os melhores e mais qualificados para o estrangeiro? Claro que esta seria uma medida que reduziria a despesa pública e até o número de desempregados (no imediato), mas será essa a estratégia mais correcta para o País?

Cortar ainda mais nas condições de trabalho de profissionais altamente qualificados (em qualquer profissão) é prejudicar (para além das pessoas) o País – e é, portanto criminoso. No ensino superior, com uma missão de formação e de criação de conhecimento, uma atitude destas incide num ponto nevrálgico da sociedade com graves implicações não só a curto prazo mas também (e essencialmente) a médio e longo prazo.

O ensino superior é (e tem de ser), por excelência, o local do conhecimento. Este é o único capital capaz de conseguir melhorar a vida das pessoas e, consequentemente, dos países, de forma duradoura e sustentável.

Os docentes e investigadores do ensino superior têm, a muito custo, tentado acreditar que o poder político seguia uma estratégia com objectivos claros, caminhos bem definidos e direccionados. Têm trabalhado pacificamente nas suas instituições. Têm confiado nas leis, nos contratos, e até nas promessas sem nunca pedirem para rever os números. Têm tentado ter a confiança que lhes propuseram.

Quando agora todas as suas expectativas são subvertidas, percebem que o poder político não deixou de ser lembrar deles, mas para minar todas as suas condições de trabalho, e destruir o sistema de reconhecimento e recompensa do mérito, essencial no ensino superior, e que a confiança com que lhes acenavam era afinal um embuste.

É urgente preparar o futuro. O Sindicato Nacional do Ensino Superior (associação sindical de docentes e investigadores) tem vindo a trabalhar nesse sentido, batendo- -se, hoje como nos últimos 21 anos, por carreiras de elevada qualificação, exigência e responsabilidade. Resta que o ministro José Mariano Gago cumpra a sua obrigação e responda ao pedido de reunião que lhe foi solicitado logo em 4 de Outubro.

por António Vicente, Presidente da Direcção do SNEsup

in Diário de Notícias, 23 de Outubro de 2010

Uma resposta to “A crise e o ensino superior. Que futuro?”

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